terça-feira, 5 de abril de 2011

Violino nas Costas, encruzilhadas históricas do Povo Judeu.

O violino, um invento sefaradí

violinista Chagall

O Dr. Gustavo Perednik, autor do livro “Violino nas Costas” (Em espanhol : Violín a Cuestas. Editora: Universidade ORT do Uruguai)explica o vínculo dos judeus com o instrumento musical por excelência.

Em recente artigo publicado no jornal El País, de Madrid (“El malestar español”, de 22/7/2009), Basilio Balltasar pergunta-se: “ Por que somos a sociedade menos competitiva da Europa?”. E chega à seguinte conclusão: a Espanha tem sido o único país sem judeus. O infeliz acontecimento da expulsão nos privou, no crucial instante do renascimento europeu, de uma força que se revelaria decisiva no processo de reinvenção próprio da modernidade. Uma comunidade inclinada, por necessidade e vocação, a impugnar os ditados da tirania.

A opinião de Baltasar parece ser revalidada por uma tese acadêmica que vem se difundindo há duas décadas, segundo a qual uma das grandes conquistas que a Espanha teria perdido devido à infeliz ocorrência foi o violino.

A provável invenção deste instrumento por parte de judeus sefaraditas começou a investigar-se lá em 1983, quando Roger Prior, da Universidade de Belfast, recolheu um dado sugestivo: um instrumento antecessor do violino, a viola da gamba (pernaem italiano), foi inventado na Espanha, antes da expulsão e, apenas consumada esta, o instrumento apareceu na Itália para converter-se rapidamente no violino.

Em outras palavras, o violino se originou na Itália, quando aqui se assentaram os expulsos da Espanha e, apesar de suas raízes espanholas, toda a referência ao instrumento durante o século 16 foi somente italiana. Com a viola da gamba teria acontecido o mesmo que ocorreu com os expulsados.

Ao rastrear esse itinerário entre Espanha e Itália, Prior chegou à conclusão de que os principais violagambistas haviam sido judeus expulsos que, uma vez assentados na Itália, criaram o violino.

Durante suas pesquisas, Prior se dedicou aos detalhes históricos eloquentes: um referente à família Amati de Cremona, e o outro vinculado a dois infelizes músicos criptojudeus em Londres, chamados Moyses e Almaliah respectivamente.

Os Amati foram célebres luthiers: o pai Andrea (1520-1578) estabeleceu a forma do violino moderno; sua obra foi perpetuada por seus dois filhos e levada à perfeição por seu neto Nicolo, que fora professor* de Andrea Gurarnieri e Antonio Stradivari (1644-1737). Segundo Prior, o nome original dos Amati era Haviv (“amado” em hebraico e eventualmente italianizado).

Quanto aos misteriosos Moyses e Alamaliah, a história começa com a coroação, em 1509, de Enrique VIII, que decidiu enaltecer a corte inglesa importando para Londres músicos italianos. Em 1540, um grupo de violagambistas se apresentou em seu palácio.

Um ano depois, a fim de congraçar-se com Carlos V, Enrique VIII mandou prender alguns homens denunciados como observantes clandestinos do judaísmo, prática proibida também na Inglaterra. Os criptojudeus detidos eram de famílias expulsas da Espanha e procediam de Milão, precisamente de onde haviam imigrado os violamgambistas.

A intuição de Prior de associar os criptojudeus aos violagambistas importados veio a se confirmar em uma das numerosas cartas que escrevera Eustace Chapuys, em Londres, como embaixador de Carlos V para defender a tia do imperador, Catarina de Aragão, ante seu marido Enrique VIII1.

Em 1542, Chapuys, que havia elogiado as prisões, referiu-se assim aos judeus aprisionados: “Mesmo que cantem muito bem, não poderão escapar voando de suas jaulas sem deixar algumas de suas plumas”.

Esses “pássaros”, os violagambistas da corte de Enrique VIII, foram finalmente liberados, menos os que morreram na prisão: John Anthony e Romano de Milão, cujos nomes originais figuram como Anthoni Moyses e Ambrosius Deolmaleyex (provavelmente um derivado de “Almaliah”).

Os músicos haviam mudado os nomes hebraicos, mas quando foram acusados de judaizantes já não havia muito para ocultar e decidiram na prisão recuperar sua identidade.

Roger Prior descobriu por acaso a interessante informação quando investigava a identidade da “dama escura” que aparece nos últimos 25 sonetos de Shakespeare (1609) – os mais eróticos de sua coleção de 154.

Há quem sustente que a “dama escura” era um personagem de ficção, ainda que a maioria dos historiadores tenda a identificá-la com pessoas reais como Mary Fitton, Elizabeth Wriothesley ou Emília Bassano. Esta última foi esposa do músico Alfonso Lanier e autora de uma coletânea de poemas intitulada Salve Dios al Rey de los Judíos (1611). Se ela fosse de fato a “dama escura” de Shakespeare (como defende os historiador Alfred Rowse), o fato poderia explicar sua origem espanhola.

Quando Prior explorou a biografia de Bassano, notou que Shakespeare quando a mencionava referia-se a uma hebreia. Adicionalmente, descobriu que vários membros da família Bassano pertenciam à orquestra de câmara da corte de Enrique VIII. Prior foi autor do livro “Los Bassanos: Músicos Vecianos y Hacedores de Instrumentos em Inglaterra - 1531-1665”, no qual incluiu um capítulo sobre Emília Bassano, identificada como a “dama escura”.

Sua tese sobre a gênese do violino voltou à tona há alguns meses (20/8/2009), no jornal Israelí Jerusalem Post, em artigo no qual é relatada a revelação de Prior que foi amplamente apresentada em um simpósio sobre violino que ocorreu em maio passado, no centenário da Escola Juilliard de Nova Iorque – o centro mais prestigioso em artes essênicas. Durante o congresso, a violinista barroca inglesa Monica Huggett – que dirige o programa artístico da Juilliard – salientou em sua exposição: “O violino não parece ser de origem italiana senão judia”.

*Na época, utilizava-se o termo “maestro” .

Um idílio de meio milênio

O vínculo dos judeus com o violino se estendeu ao longo dos séculos. Em 1660, nasceu em Mantua a primeira grande escola de violinistas sob a direção de Salamone Rossi, cujas obras têm perdurado. Começou com umas 20 canções (1589), e em 1623 publicou uma coleção de liturgia judaica no estilo barroco, cujo título parafraseia um livro bíblico (Os Cânticos de Salomão).

A irmã de Rossi era cantora de ópera; ele, durante quatro décadas, serviu na corte de Mantua contratado pelo duque Vincenzo com o fim de entreter os hóspedes. Aí ele foi violinista da duquesa Isabella D’Este Gonzaga .

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