domingo, 10 de abril de 2011

A Jerusalém Celestial e Terrenal

OS JUDEUS E JERUSALÉM

Dr.Gustavo D. Perednik

(artigo publicado em agosto de 2001)

Ierushalaim festejo

Se Jerusalém é sagrada para três religiões, pensa consigo mesmo o Sr. Confuso, porque ela deve ser governada pelo judaísmo? Parece estar com a razão o Sr. Confuso. Parece. A verdade é que o judaísmo não deve governar e, de fato, não a governa. Não é o Rabinato nem a Chevra Kadishá que administram a cidade; É o Estado do Povo Judeu. O clamor judaico para com Jerusalém não é religioso: é nacional.

Para essa questão, o Senhor. Confuso encontrará resposta de forma mais direta, caso reformule a sua indagação dessa forma: “se o povo judeu não é o único que exige Jerusalém, por que lhe assiste o direito de exclusividade sobre a cidade? Assim, podemos começar a entender a questão.

Há quase três mil anos o Profeta Isaías criou a parábola de uma “Jerusalém dos céus”, cidade que a tradição judaica acabou conferindo-lhe dois papéis: de se colocar antes de tudo já existente e que, ao fim da história, fará unir a toda a humanidade. O Cristianismo, que nela reconhece o seu berço, se concentrou nesse arquétipo.

A cidade foi uma fonte de inspiração durante toda a Idade Média. Na França, canções de feitos heróicos. Além da Canção de Rolando, o Ciclo de Carlos Magno é um conjunto de poemas medievais franceses que inclui a Peregrinação de Carlos Magno a Jerusalém.

Na Inglaterra, poemas épicos. Nos vinte e quatro contos que constituem a coleção dos Canterbury, de Geoffrey Chaucer, o prólogo introduz as trinta personagens da taberna de Sothwark. Entre elas, o pároco transformava a peregrinação primaveril ao túmulo de Thomas Beckeet numa viagem espiritual a Jerusalém.

No Renascimento italiano, epopéias como Jerusalem Liberata, de Torcuato Tasso, uma narrativa romanceada da Primeira Cruzada que eleva os portadores do ideal religioso, sempre sintetizado em Jerusalém.

A cidade nunca conseguiu se desvencilhar dessa auréola de santidade. Quando François de Chateaubrinad, um dos primeiros românticos franceses, mostra seu fascínio pelo exótico, o faz num Itinerário de Paris a Jerusalém. O hino nacional religioso da Grã Bretanha tem por título Jerusalém, e é um dos quartetos mais bíblicos e comovedores de William Blake. Assim escreveu o poeta e assim cantam os britânicos até hoje em dia: “Não descansarei em pensar na minha luta/ nem dormirá minha espada na minha mão/ até que tenha erguido Jerusalém/ na verde e agradável terra inglesa”.

Tantos versos e epopéias acabaram por distorcer a compreensão da Jerusalém real. Especialmente depois da hiperespiritualização com que a consagrou o cristianismo, virtualmente, se universalizou com o Islã. Quando a gente fala de Jerusalém, dirige os olhos aos céus e poucas vezes se pensa na polis real.

A América Latina não ficou alheia a essa idealização. Mais de uma década antes de Torquato Tasso, ficou conhecida a mais antiga poesia escrita no Rio da Prata: o Romance Elegíaco, de Luis de Miranda Villafaña, clérigo da expedição de Pedro Mendoza. Um trecho das estrofes compara a fome de que padeceu Buenos Aires, em 1537, quando foi sitiada pelos índios querandis, com o sítio de Jerusalém nas mãos de Tito, o Imperador romano: “E chegou a costa a tanto/ que, como Jerusalém/ a carne do homem também/ comeram”. Esses versos rudimentares são o primeiro documento da conquista do Rio da Prata e mostram que até mesmo nas letras hispano-americanas, o heroísmo, ou o direito, se hierosolomitaram.

Para a América latina, contudo, a idealização não impediu um contato mais realista com a cidade e com os exclusivos direitos nacionais (não religiosos) que detém o povo judeu. Dos treze países que tinham sua embaixada em Jerusalém, até fins de 1980, doze eram latino-americanos. Igualmente latino-americanas foram as duas embaixadas que se estabeleceram em Jerusalém quando, em 2000, Iraque e Arábia Saldita encabeçaram a exitosa campanha para que fossem retiradas as representações diplomáticas de Jerusalém.

Nisso também Israel é especial, pois é o único país soberano, dos quase duzentos que existem, ao qual se questiona o direito de decidir a sede de sua capital. Na maioria dos mapas se indica Tel Aviv como capital de Israel.

PAÍS RENASCIDO OU PAÍS NOVO

O motivo dessa insistência é complexo. Se Tel Aviv é a capital de Israel, estamos diante de um país moderno, novo, aceito, um Estado com o qual se poderia conviver em paz. Mas quando se aceita Jerusalém como capital israelense, se admite, implicitamente, que aqui não há novidade, mas um Estado renascido. A mesma Jerusalém, que foi a capital dos judeus durante séculos, recuperou essa função. A reivindicação de Jerusalém como nossa capital exclusiva fortalece a legitimidade do Estado Judeu renascido na pátria ancestral. Não é preciso ser judeu nem israelense para nota-lo. O filósofo católico espanhol, Julián Marías, o expôs claramente em seu livro Israel, uma ressurreição: sem Jerusalém como capital, Israel perde o “sentido histórico”.

Outra das causas de tanta espiritualização ambígua é a antiguidade da cidade. É lógico e natural que se envolva em auréolas metafísicas a uma urbe que remonta ao passado mais remoto, já mencionada nas famosas epístolas de Tel-el-Amarna (século XIV AC) e ainda em documentos egípcios de meio milênio antes. Depois de tudo, é uma cidade onde ocorreram eventos de transcendência indiscutível, que os Salmos elevam até o mais sublime e que a Bíblia a menciona mais de setecentas vezes, desde o próprio Livro de Gênesis. (Cabe recordar que, pelo contrário, o Alcorão não se refere a Jerusalém nem uma vez).

Quando focalizamos a história na idade contemporânea, observamos que os judeus sempre foram um grupo majoritário na cidade há mais de século e meio, e que ela nunca foi capital (nem de estado ou província) sob quaisquer impérios, incluído o do Iislã. O breve controle árabe da cidade significou destruição e atraso e, de sua parte, a recuperação judaica foi a única que garantiu liberdade de culto e proteção aos lugares santos de todos os credos, ale de um crescimento sustentado e visível. (N.T. a breve controle o autor se refere ao período de 1948 a 1967)

A aspiração israelita sempre se diferenciou porque o retorno era concebido, também, para a Jerusalém terrena. Os caraítas, que regressaram há mil anos, outorgaram aos retornantes o título honorífico de “Jerusalém”. Para aqui regressou Iehuda Halevi, no século XII e Maimônides, no século XIII e os Chassidei Askenazim e Ovadia de Bertinoro, no século XV. E logo veio a imigração de Chazan Sion, que cchegou em 1722 e as várias ondas de chassidim, e os alunos do Gaon de Vilna e finalmente os biluim, e as imigrações modernas que reconstruíram o Estado Judeu. Todos a Jerusalém, não para sonhar, mas para cumprir com seus sonhos.

Por isso foi tão importante celebrar, há um lustro, os três mil anos da cidade. Colocava-se em relevo que o Rei David proclamou a cidade como a capital de Israel, um dado histórico que precisa ser explicitado, a fim de atenuar os aspectos metafísicos e teológicos da cidade.

Falamos que a diferença entre a idealização de Jerusalém, que nasce no judaísmo, por um lado, e a que herda o resto da humanidade, por outro, é que no caso judeu a cidade espiritual se completa com a reconstrução da mesma. A ela se dirigem os judeus, onde quer que estejam, em suas rezas três vezes por dia, pedindo a Deus “para que possam regressar à Sua cidade... que a reconstrua em nossos dias.. que nossos olhos possam contemplar esse retorno”.

O falecido poeta israelense, Iehuda Amichai, no seu poema Turitas, mostrou a permanente dicotomia das duas “Jerusaléns” e a opção judaica pela terrena. Amichai descreve a si mesmo carregando duas sacolas de mercado. Um guia turístico indica-o com o dedo e explica ao seu grupo de turistas: “um pouco a direita daquele homem com as sacolas se encontra um arco da época romana”. Amichai raciocina: “a redenção só virá quando lhes disserem: Estão vendo o arco da época romana? Não importa. Mas, mais abaixo, para a esquerda, está um homem sentado e que comprou frutas e verduras para a sua casa”.

O Sr. CONFUSO ENTENDERÁ

O mal-entendido do Senhor. Confuso reside em misturar duas questões. A Jerusalém celestial existe para todas as religiões que tomaram do judaísmo a sua santidade e todas, sem exceção, têm liberdade de culto desde a sua reunificação. Mas isso não contradiz o fato de que a polis tem um só dono nacional, e esse é Israel. O controle hebreu sobre a totalidade de Jerusalém tem sido a garantia, não só de uma soberania fundada no direito histórico, mas também da liberdade que o sionismo oferece a todos os habitantes, sem distinção de religião e origem.

Além de um passado tão rico, envolto em mistério, a desinformação sobre a cidade tem uma causa adicional e, provavelmente, a principal. É a peçonha que difundem os inimigos de Israel, confundindo história e religiões. O professor Iassir Mallach, da Universidade de Belém, declara que o Patriarca Abraham não só foi muçulmano, mas que foi um Imã da nação árabe”. A Terra prometida da Bíblia, explica o erudito, é a Grande Síria. Foi prometida ao povo judeu sob condição de que seguissem os ensinamentos mosaicos, mas a promessa foi revogada com a chegada do Maomé.

Um fenômeno marginal do fundamentalismo? Que seja. Os mesmos absurdos se apresentam quotidianamente nos meios de comunicação. Quando a cadeia de Televisão ABC veiculou um programa inteiro dedicado a Jerusalém, disse Dean Reynolds na tela: “... para obter as negociações de paz, se pede aos palestinos que renunciem a seu sonho de fazer de Jerusalém a capital do Estado Palestino”. Sonho estranho, tendo em conta que em setecentos anos de governo árabe, quatrocentos de turco-muçulmano e dezenove jordaniano-palestino, Jerusalém nunca foi a capital de nada. Nem siquer uma só escola islâmica de importância foi jamais estabelecida aqui, nem visitou a cidade nenhum chefe de Estado árabe.

Reescrever a história de Jerusalém transcende os meios tradicionalmente hostis a Israel. A Encyclopedia Britannica, uma das mais prestigiosas do mundo, publicou que Jerusalém é uma cidade de peregrinação para os muçulmanos (falso) e que dirigem a ela para rezar (suas orações são dirigidas somente para Meca).

A confusão é o instrumento que o mundo emprega para “resolver”a questão de Jerusalém. Os grito para mudar o status da cidade se fizeram ouvir durante as três décadas e meia de liberdade, que não existia durante os períodos anteriores, quando o controle árabe destruiu mais de trinta sinagogas, arrasaram o Monte das Oliveiras e asfixiou o desenvolvimento da cidade.

Diante da confusão, devemos esclarecer aos homens de bem, perturbados pelo duplo valor de Jerusalém. Até o Sr. Confuso acabará por entender as razões. De um lado, há um caráter religioso sagrado, naturalmente compartilhado e, por outro, aparece o tema de sua soberania política nacional que, por direito milenar, é exclusivo do povo judeu. Este segundo valor é, justamente, a garantia do primeiro. Ou, nas palvaras de Rabi Iochanan, no Talmud: “D’us não entrará na Jerusalém celestial enquanto não entrar na Jerusalém terrena”.

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