quinta-feira, 7 de abril de 2011

A Ecologia e a Bíblia

A ECOLOGIA NAS

FONTES BIBLICAS E RABINICAS

Pelo Dr. Gustavo D. Perednik*

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Como em tantas outras coisas no Ocidente, os movimentos ecológicos bem poderiam apoiar todos seus predicamentos nas fontes judaicas. Da Gênese até o Keren Kayemet LeIsrael, a tradição judaica é um vivo testemunho de amor à natureza e um chamado eterno a "cuidar o jardim".

Atenas e Jerusalém podem entender-se como duas culturas contrapostas de cuja síntese se conformou nossa civilização. Faz dois milênios e médio, escutavam-se na Grécia e no Israel caminhos explicações a respeito dos fundamentos do cosmos. Na primeira, o orador e mago Empédocles do Agrigento difundia a tese - posteriormente desenvolvida pelo Aristóteles - de que o universo estava conformado por quatro elementos: ar, água, terra e fogo. Quase simultaneamente, os Levitas, depois da leitura do Livro da Lei, proclamavam na Judea versículos que formam parte da liturgia matinal e que evocam os mesmos motivos que o grego: "o Senhor criou os céus infinitos, a terra, os mares e tudo que eles contêm, o que é sustenido na vida por obra do Criador".

Em um caso privava o fortuito da existência; no outro, havia ante Quem prestar contas pelo criado.

A Gênese nos informa que o homem apareceu no sexto dia da Criação, quando o cenário para sua missão já tinha sido integralmente conformado. Nos dias prévios se criou a ecosfera, o setor essencialmente básico do sistema Homem-Natureza que, junto com os recursos minerais da Terra, é a parte para cuja criação não fez falta a intervenção humana. Suas propriedades fundamentais foram definidas muito antes do nascimento do homem e é intrinsecamente incapaz de crescimento ou expansão continuados. Por isso o homem nasce com uma responsabilidade frente a ecosfera, que vem evitando do tempo mais remoto.

CONHECER NOSSA CASA

Neste século estalou a consciência sobre o conflito que existe entre as atividades humanas e as limitações do meio ambiente. Frente ao contínuo ataque aos sistemas naturais que nos sustentam, das fontes judaicas emerge a mensagem ecológica que o judaísmo tem para oferecer.

Em hebreu bíblico a raiz dos verbos "conhecer" e "amar" é a mesma. Adão "conhece" a Eva quando se unem em amor carnal. A Toráh exige do homem para com a mulher "sheerá, kesutá, vê'onatá", lhe prover comida, vestido, e direito matrimonial. É notáveis que segundo essa ecologia são as três condições que requer todo ser vivo para sua sobrevivência, nessa mesma ordem: alimento, proteção e capacidade reprodutora. O conhecimento da Terra parece ser a primeira mitsváh da ecologia, tal como o conhecimento do cônjuge é primeiro da Bíblia.

A curiosidade bíblica tem no Salmo 104 (Versículos 10 ao 24) e um dos exemplos mais formosos do conhecimento do habitat natural dos animais e o ciclo de vida terrestre: “Ordenaste às fontes que alimentassem regatos, que estes corressem pelos vales entre as montanhas. Dão, assim de beber a todos os animais dos campos e satisfazem a sede de todos os silvestres. Perto deles habitam as do céu e, de entre os ramos das árvores, entoam seu canto, Regas as montanhas do alto de Tua morada e se farta a terra do fruto de tuas obras. Fazes crescer relva para o gado e plantas para uso do homem, para que da terra possa extrair seu pão, e também o vinho que alegra seu coração, bem como óleo que lhe faz reluzir o rosto. Fartam-se de seiva as árvores do Eterno, os cedros do Líbano por Ele plantados, onde os pássaros constroem seus ninhos e os ciprestes se abrigam as cegonhas. Os altos montes são refúgio para os cabritos, e as rochas para os coelhos. Para marcar as estações criaste a lua, e ao sol determinaste o tempo de seu ocaso. Estendes o manto da escuridão e faz-se a noite, quando despertam e vagueiam as feras da floresta. Os filhotes do leão rugem por sua presa, e buscam de D’us seu alimento. Quando nasce o sol, eles recolhem a seus covis. Sai o homem para seu trabalho e sua obra até a tarde. Quão imensa é a multiplicidade de Tuas obras!

O conhecimento do criado leva a admiração pelo Criador. Por isso os grandes professores talmúdicos admiravam o natural. Nas academias babilônicas da Sura e Pumbedita (ex babilônia hoje Irak, século III até VII) , Aba Arija e o Rabino Iehudáh ensinavam que o Criador "o bará davar echad lebatalá", fez tudo com algum propósito. Nesse contexto explicaram a existência da lesma, a mosca, o mosquito, a serpente e a aranha, em uma página talmúdica em que deste modo se mencionam costumes de muitos animais: leão, elefante, águia, baleia, cabra, ovelha, camelo, boi, lagosta, galinha, peixes, serpente e porco.

Outros rabinos que estudaram os processos do mundo animal, sugerem-nos como preservar às gazelas em seu habitat natural, ou ao homem em um estado de saúde (o tratado Taanit menciona uma peste que afetava a porcos, que por ter intestinos parecidos com os humanos podiam produzir contágios letais).

Entre os professores se destaca Shimon Ben Chalafta (Século. II) a quem estavam acostumados a chamar "experimentador de todas as coisas". Ao ler o provérbio bíblico de que o preguiçoso deveria aprender da formiga porque sabiamente prepara no verão seu alimento e recolhe sua comida durante a ceifa, Rabi Shimon Ben Chalafta decidiu certificar-se se atrás da mensagem moral, efetivamente essa previsão fórmica tem lugar, ou sim se tratava de uma mera metáfora do Rei Salomão (Shelomo).

A intimidade com o mundo natural é uma herança espiritual de nossos patriarcas e profetas, que eram pastores. Estavam acostumados a conduzir seus rebanhos longe das zonas cultivadas e suas migrações anuais entre o deserto da Judea e o vale do Jordão lhes permitiam monitorar a erosão dos arbustos daquelas regiões, que graças às chuvas proporcionavam alimento aos rebanhos. Os profetas expressavam a mensagem divina em imagens do deserto e do vale. Por exemplo assim exorta Jeremías aos Israelitas: "Até a cegonha no céu conhece seus tempos, e a tórtola, a grou e a andorinha guardam o tempo de sua vinda, mas Meu povo não conhece o julgamento do Eterno" (8:4-7).

Noga Hareuveni explica a imagem: o pastor, que contempla o vôo das aves em suas migrações anuais a climas benignos, vê que em maio a tórtola, os grous e as andorinhas voam da África a Europa cruzando Judea. Mas retornam à a África por uma rota distinta que não atravessa os céus do Israel, de modo que são vistas só uma vez por ano. O profeta-pastor o indica: "guardam o tempo de sua vinda", enquanto que da cegonha (que voa da África a Europa em abril e retorna em outubro por sobre o vale do Jordão) esclarece-se que "conhece seus tempos" em plural.

A HARMÔNIA DA ECOSFERA

A intimidade com a amada natureza descobre a harmonia que sustenta o universo criado. Na Gênese, cada parte da Criação se rubrica quando "vê Deus que é bom". A partir de ali, o ideal da ordem natural povoa nossas fontes. Quando Deus espeta ao Jô – Iov - (39:1) Contemplou você as cervas quando dão a luz?, o Talmud esclarece: "Ao agachar-se para parir as cabras monteses, sobem a uma montanha. Deste modo, a cria pode cair e morrer. Mas Deus tem lista uma águia para que a recolha em suas asas e a ponha diante da mãe. Se a águia chegasse um segundo antes ou depois, a cabrita morreria".

A percepção de uma natureza harmoniosa chega a sua cúspide na visão messiânica do Isaías: "habitará o lobo com o cordeiro, e o tigre se deitará com o cabrito; o bezerro, o filhote do leão e o porco andarão juntos, e um menino os conduzirá. Encher-se-á a Terra de conhecimento do Senhor".

Nesse ideal teleológico, o homem reconhece a inter-relação entre os distintos tipos de vida, e portanto, será consciente de que toda mudança que exerça artificialmente em um sistema natural, pode prejudicar esse sistema. Ante a exclamação do salmista de !!Quão grandes som Suas obras, Eterno!, o rabino Akiva comenta: "criaste seres grandiosos no mar e também os criaste nas terra. Se os aquáticos fossem postos sobre a terra, ou os terrestres no mar, morreriam". A premissa é não modificar o hábitat natural para evitar a extinção de espécies.

Em contraste, a tecnologia há procedido com uma soberba que transcende ideologias, e se desenvolveu sem ter em conta a capacidade limitada do capital biológico representado pelo ecossistema. O homem considerou os recursos naturais e a vida animal como uma herança da que pode dispor a seu desejo. Mas a repreensão bíblica é dupla: por um lado "encham a Terra e dominem" e, simultaneamente, "cuidar o jardim".

Para proteger nossa Terra devem proteger-se seus recursos. Quando faz quatro milênios o patriarca Abraham se separa de seu sobrinho Lot, justifica-o com "que a terra não é suficiente" para que a habitassem juntos. Em efeito, apascentar excessivo gado, especialmente ovino, pode esterilizar uma área fértil de pastoreio. Por isso Abraham e seus rebanhos tomam a direção oposta do Lot, para as serras do Hebrón, aonde o patriarca escolhe morar no Elonê Mamré (as Planícies de Mamré) e não sobre chãos cultivados.

Fiel à tradição judaica de amparo da natureza, o Estado do Israel criou em 1964 a Direção Nacional de Reservas Naturais. Quase trezentas reservas já foram demarcadas, cobrindo uma extensão de cento e sessenta mil hectares. As espécies protegidas nelas incluem vegetais como o carvalho e a palmeira, e animais como o leopardo, a gazela, íbex (cabra montês) e o abutre. Quanto aos animais, as fontes bíblicas são muito específicas em seu amparo. A comida inicial que Adão tinha ao seu dispor era de frutos e vegetais comestíveis. O Talmud, em uma clara apologia do vegetarianismo, interpreta que existia uma proibição de comer carne, que finalmente se permitiu na época do Noé, e só como transação.

O coração da mensagem ecologista é o amparo do bem comum, começando pelo planeta que compartilhamos, a casa que devemos manter poda: "cuidar o jardim". A terra é a matriz do homem: "dela provimos e a ela encaminhamos" (a voz "homem" em hebreu, "Adam" é da raiz "terra", "adamá"). Arón David Gordon levou essa idéia ao judaísmo contemporâneo, quando sustentou que o essencial do sionismo moderno consiste em fazer retornar ao povo judeu ao contato com a terra, à sociedade criadora que surge de lavrar o chão que nos deu.

A Bíblia provê leis ideais para o descanso da terra, como a "shemitá" ou ano sabático. Maimónides dedica muitas páginas de seu "Guia" à questão (3:31) e explica que a finalidade do ano de aro não se reduz a "a comiseração e liberalidade para os homens" mas também a "que a terra se torne mais fértil, fortalecendo-se pelo descanso".

Outro conceito vital de nossas fontes é o do Bal Tashjit, o veto talmúdico contra a dilapidação, que deriva da proibição bíblica de destruir árvores: "Quando sitiar uma cidade ao combater contra ela para conquistá-la, não destrua suas árvores com sua tocha, porque deles te alimenta. Não terá que acharão, porque a árvore do campo é como um homem. Só da árvore de que saiba que não é alimentício poderá cortar a fim de construir a fortaleza contra a cidade que te declara a guerra".

Esta lei é explicada no "Livro da Educação" – Sêfer Hachinuch (do Século de Ouro Sefaradí) do Arón Levi de Barcelona: "esta norma inculca em nosso coração o amor pelo bom e o benéfico, assim tal amor se transforma em parte de nosso ser, e nos afastamos do mau e do destrutivo. O piedoso ama a paz e se regozija no bem-estar do próximo para que não seja destruída nem sequer uma semente de mostarda".

Outra instituição ecológica do Israel é o Keren Kayemet, que planta cada ano mais de dois mil hectares de novos bosques e construiu mais de uma centena de parques de recreação e mais de vinte florestais.

Conhecer o planeta é uma das melhores formas de exercer nossa capacidade de amor. Assim o entendeu um dos grandes professores do Chasídismo, quem estava acostumado a pronunciar a seguinte prece: "Senhor do Universo, me outorgue a possibilidade de estar sozinho para me fazer do hábito de sair cada dia à natureza, entre árvores e pastos, entre o que cresce e floresce, para expressar ali tudo o que dita meu coração, para que a folhagem, as árvores, o novelo, despertem com minha chegada e enviem o poder de sua vida a minha prece, para que minha oração seja um tudo, por meio de todas as coisas que crescem, que são como uma por sua fonte transcendente".

Um método judaico a nosso alcance a fim de intimar com a natureza, é o calendário hebreu. As três Festas de Peregrinação (Pêssach -Páscoa, Shavuot -Pentecostes, e Sucot -Tabernáculos) são respectivamente da semeia, a colheita e a recolher. Adiciona-se a singular Seu Bishvat, que marca o começo da separação dos dízimos da fruta (já que a maior parte das chuvas caem no Israel antes dessa data) e por isso é Ano Novo dos Mastreie, seu aniversário.

Um relato talmúdico do Rabino Eleazar compara a criação do mundo com a de um rei que criou um palácio em um depósito de lixo. Nossa missão é em efeito converter nossa casa em um lugar agradável e prazenteiro. Esse seria o melhor louvor ao Criador, posto que já o diz o salmo: "Iehalelú Hashamaim vehamaim...", Elogiarão-o os céus e as águas. Limpos os uns, cristalinas as outras.

* Autor de Custódia sobre quatro mil anos – Ecologia e Judaísmo, Premio Keren Kayemet 1990.

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