domingo, 10 de abril de 2011

A Jerusalém Celestial e Terrenal

OS JUDEUS E JERUSALÉM

Dr.Gustavo D. Perednik

(artigo publicado em agosto de 2001)

Ierushalaim festejo

Se Jerusalém é sagrada para três religiões, pensa consigo mesmo o Sr. Confuso, porque ela deve ser governada pelo judaísmo? Parece estar com a razão o Sr. Confuso. Parece. A verdade é que o judaísmo não deve governar e, de fato, não a governa. Não é o Rabinato nem a Chevra Kadishá que administram a cidade; É o Estado do Povo Judeu. O clamor judaico para com Jerusalém não é religioso: é nacional.

Para essa questão, o Senhor. Confuso encontrará resposta de forma mais direta, caso reformule a sua indagação dessa forma: “se o povo judeu não é o único que exige Jerusalém, por que lhe assiste o direito de exclusividade sobre a cidade? Assim, podemos começar a entender a questão.

Há quase três mil anos o Profeta Isaías criou a parábola de uma “Jerusalém dos céus”, cidade que a tradição judaica acabou conferindo-lhe dois papéis: de se colocar antes de tudo já existente e que, ao fim da história, fará unir a toda a humanidade. O Cristianismo, que nela reconhece o seu berço, se concentrou nesse arquétipo.

A cidade foi uma fonte de inspiração durante toda a Idade Média. Na França, canções de feitos heróicos. Além da Canção de Rolando, o Ciclo de Carlos Magno é um conjunto de poemas medievais franceses que inclui a Peregrinação de Carlos Magno a Jerusalém.

Na Inglaterra, poemas épicos. Nos vinte e quatro contos que constituem a coleção dos Canterbury, de Geoffrey Chaucer, o prólogo introduz as trinta personagens da taberna de Sothwark. Entre elas, o pároco transformava a peregrinação primaveril ao túmulo de Thomas Beckeet numa viagem espiritual a Jerusalém.

No Renascimento italiano, epopéias como Jerusalem Liberata, de Torcuato Tasso, uma narrativa romanceada da Primeira Cruzada que eleva os portadores do ideal religioso, sempre sintetizado em Jerusalém.

A cidade nunca conseguiu se desvencilhar dessa auréola de santidade. Quando François de Chateaubrinad, um dos primeiros românticos franceses, mostra seu fascínio pelo exótico, o faz num Itinerário de Paris a Jerusalém. O hino nacional religioso da Grã Bretanha tem por título Jerusalém, e é um dos quartetos mais bíblicos e comovedores de William Blake. Assim escreveu o poeta e assim cantam os britânicos até hoje em dia: “Não descansarei em pensar na minha luta/ nem dormirá minha espada na minha mão/ até que tenha erguido Jerusalém/ na verde e agradável terra inglesa”.

Tantos versos e epopéias acabaram por distorcer a compreensão da Jerusalém real. Especialmente depois da hiperespiritualização com que a consagrou o cristianismo, virtualmente, se universalizou com o Islã. Quando a gente fala de Jerusalém, dirige os olhos aos céus e poucas vezes se pensa na polis real.

A América Latina não ficou alheia a essa idealização. Mais de uma década antes de Torquato Tasso, ficou conhecida a mais antiga poesia escrita no Rio da Prata: o Romance Elegíaco, de Luis de Miranda Villafaña, clérigo da expedição de Pedro Mendoza. Um trecho das estrofes compara a fome de que padeceu Buenos Aires, em 1537, quando foi sitiada pelos índios querandis, com o sítio de Jerusalém nas mãos de Tito, o Imperador romano: “E chegou a costa a tanto/ que, como Jerusalém/ a carne do homem também/ comeram”. Esses versos rudimentares são o primeiro documento da conquista do Rio da Prata e mostram que até mesmo nas letras hispano-americanas, o heroísmo, ou o direito, se hierosolomitaram.

Para a América latina, contudo, a idealização não impediu um contato mais realista com a cidade e com os exclusivos direitos nacionais (não religiosos) que detém o povo judeu. Dos treze países que tinham sua embaixada em Jerusalém, até fins de 1980, doze eram latino-americanos. Igualmente latino-americanas foram as duas embaixadas que se estabeleceram em Jerusalém quando, em 2000, Iraque e Arábia Saldita encabeçaram a exitosa campanha para que fossem retiradas as representações diplomáticas de Jerusalém.

Nisso também Israel é especial, pois é o único país soberano, dos quase duzentos que existem, ao qual se questiona o direito de decidir a sede de sua capital. Na maioria dos mapas se indica Tel Aviv como capital de Israel.

PAÍS RENASCIDO OU PAÍS NOVO

O motivo dessa insistência é complexo. Se Tel Aviv é a capital de Israel, estamos diante de um país moderno, novo, aceito, um Estado com o qual se poderia conviver em paz. Mas quando se aceita Jerusalém como capital israelense, se admite, implicitamente, que aqui não há novidade, mas um Estado renascido. A mesma Jerusalém, que foi a capital dos judeus durante séculos, recuperou essa função. A reivindicação de Jerusalém como nossa capital exclusiva fortalece a legitimidade do Estado Judeu renascido na pátria ancestral. Não é preciso ser judeu nem israelense para nota-lo. O filósofo católico espanhol, Julián Marías, o expôs claramente em seu livro Israel, uma ressurreição: sem Jerusalém como capital, Israel perde o “sentido histórico”.

Outra das causas de tanta espiritualização ambígua é a antiguidade da cidade. É lógico e natural que se envolva em auréolas metafísicas a uma urbe que remonta ao passado mais remoto, já mencionada nas famosas epístolas de Tel-el-Amarna (século XIV AC) e ainda em documentos egípcios de meio milênio antes. Depois de tudo, é uma cidade onde ocorreram eventos de transcendência indiscutível, que os Salmos elevam até o mais sublime e que a Bíblia a menciona mais de setecentas vezes, desde o próprio Livro de Gênesis. (Cabe recordar que, pelo contrário, o Alcorão não se refere a Jerusalém nem uma vez).

Quando focalizamos a história na idade contemporânea, observamos que os judeus sempre foram um grupo majoritário na cidade há mais de século e meio, e que ela nunca foi capital (nem de estado ou província) sob quaisquer impérios, incluído o do Iislã. O breve controle árabe da cidade significou destruição e atraso e, de sua parte, a recuperação judaica foi a única que garantiu liberdade de culto e proteção aos lugares santos de todos os credos, ale de um crescimento sustentado e visível. (N.T. a breve controle o autor se refere ao período de 1948 a 1967)

A aspiração israelita sempre se diferenciou porque o retorno era concebido, também, para a Jerusalém terrena. Os caraítas, que regressaram há mil anos, outorgaram aos retornantes o título honorífico de “Jerusalém”. Para aqui regressou Iehuda Halevi, no século XII e Maimônides, no século XIII e os Chassidei Askenazim e Ovadia de Bertinoro, no século XV. E logo veio a imigração de Chazan Sion, que cchegou em 1722 e as várias ondas de chassidim, e os alunos do Gaon de Vilna e finalmente os biluim, e as imigrações modernas que reconstruíram o Estado Judeu. Todos a Jerusalém, não para sonhar, mas para cumprir com seus sonhos.

Por isso foi tão importante celebrar, há um lustro, os três mil anos da cidade. Colocava-se em relevo que o Rei David proclamou a cidade como a capital de Israel, um dado histórico que precisa ser explicitado, a fim de atenuar os aspectos metafísicos e teológicos da cidade.

Falamos que a diferença entre a idealização de Jerusalém, que nasce no judaísmo, por um lado, e a que herda o resto da humanidade, por outro, é que no caso judeu a cidade espiritual se completa com a reconstrução da mesma. A ela se dirigem os judeus, onde quer que estejam, em suas rezas três vezes por dia, pedindo a Deus “para que possam regressar à Sua cidade... que a reconstrua em nossos dias.. que nossos olhos possam contemplar esse retorno”.

O falecido poeta israelense, Iehuda Amichai, no seu poema Turitas, mostrou a permanente dicotomia das duas “Jerusaléns” e a opção judaica pela terrena. Amichai descreve a si mesmo carregando duas sacolas de mercado. Um guia turístico indica-o com o dedo e explica ao seu grupo de turistas: “um pouco a direita daquele homem com as sacolas se encontra um arco da época romana”. Amichai raciocina: “a redenção só virá quando lhes disserem: Estão vendo o arco da época romana? Não importa. Mas, mais abaixo, para a esquerda, está um homem sentado e que comprou frutas e verduras para a sua casa”.

O Sr. CONFUSO ENTENDERÁ

O mal-entendido do Senhor. Confuso reside em misturar duas questões. A Jerusalém celestial existe para todas as religiões que tomaram do judaísmo a sua santidade e todas, sem exceção, têm liberdade de culto desde a sua reunificação. Mas isso não contradiz o fato de que a polis tem um só dono nacional, e esse é Israel. O controle hebreu sobre a totalidade de Jerusalém tem sido a garantia, não só de uma soberania fundada no direito histórico, mas também da liberdade que o sionismo oferece a todos os habitantes, sem distinção de religião e origem.

Além de um passado tão rico, envolto em mistério, a desinformação sobre a cidade tem uma causa adicional e, provavelmente, a principal. É a peçonha que difundem os inimigos de Israel, confundindo história e religiões. O professor Iassir Mallach, da Universidade de Belém, declara que o Patriarca Abraham não só foi muçulmano, mas que foi um Imã da nação árabe”. A Terra prometida da Bíblia, explica o erudito, é a Grande Síria. Foi prometida ao povo judeu sob condição de que seguissem os ensinamentos mosaicos, mas a promessa foi revogada com a chegada do Maomé.

Um fenômeno marginal do fundamentalismo? Que seja. Os mesmos absurdos se apresentam quotidianamente nos meios de comunicação. Quando a cadeia de Televisão ABC veiculou um programa inteiro dedicado a Jerusalém, disse Dean Reynolds na tela: “... para obter as negociações de paz, se pede aos palestinos que renunciem a seu sonho de fazer de Jerusalém a capital do Estado Palestino”. Sonho estranho, tendo em conta que em setecentos anos de governo árabe, quatrocentos de turco-muçulmano e dezenove jordaniano-palestino, Jerusalém nunca foi a capital de nada. Nem siquer uma só escola islâmica de importância foi jamais estabelecida aqui, nem visitou a cidade nenhum chefe de Estado árabe.

Reescrever a história de Jerusalém transcende os meios tradicionalmente hostis a Israel. A Encyclopedia Britannica, uma das mais prestigiosas do mundo, publicou que Jerusalém é uma cidade de peregrinação para os muçulmanos (falso) e que dirigem a ela para rezar (suas orações são dirigidas somente para Meca).

A confusão é o instrumento que o mundo emprega para “resolver”a questão de Jerusalém. Os grito para mudar o status da cidade se fizeram ouvir durante as três décadas e meia de liberdade, que não existia durante os períodos anteriores, quando o controle árabe destruiu mais de trinta sinagogas, arrasaram o Monte das Oliveiras e asfixiou o desenvolvimento da cidade.

Diante da confusão, devemos esclarecer aos homens de bem, perturbados pelo duplo valor de Jerusalém. Até o Sr. Confuso acabará por entender as razões. De um lado, há um caráter religioso sagrado, naturalmente compartilhado e, por outro, aparece o tema de sua soberania política nacional que, por direito milenar, é exclusivo do povo judeu. Este segundo valor é, justamente, a garantia do primeiro. Ou, nas palvaras de Rabi Iochanan, no Talmud: “D’us não entrará na Jerusalém celestial enquanto não entrar na Jerusalém terrena”.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A Ecologia e a Bíblia

A ECOLOGIA NAS

FONTES BIBLICAS E RABINICAS

Pelo Dr. Gustavo D. Perednik*

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Como em tantas outras coisas no Ocidente, os movimentos ecológicos bem poderiam apoiar todos seus predicamentos nas fontes judaicas. Da Gênese até o Keren Kayemet LeIsrael, a tradição judaica é um vivo testemunho de amor à natureza e um chamado eterno a "cuidar o jardim".

Atenas e Jerusalém podem entender-se como duas culturas contrapostas de cuja síntese se conformou nossa civilização. Faz dois milênios e médio, escutavam-se na Grécia e no Israel caminhos explicações a respeito dos fundamentos do cosmos. Na primeira, o orador e mago Empédocles do Agrigento difundia a tese - posteriormente desenvolvida pelo Aristóteles - de que o universo estava conformado por quatro elementos: ar, água, terra e fogo. Quase simultaneamente, os Levitas, depois da leitura do Livro da Lei, proclamavam na Judea versículos que formam parte da liturgia matinal e que evocam os mesmos motivos que o grego: "o Senhor criou os céus infinitos, a terra, os mares e tudo que eles contêm, o que é sustenido na vida por obra do Criador".

Em um caso privava o fortuito da existência; no outro, havia ante Quem prestar contas pelo criado.

A Gênese nos informa que o homem apareceu no sexto dia da Criação, quando o cenário para sua missão já tinha sido integralmente conformado. Nos dias prévios se criou a ecosfera, o setor essencialmente básico do sistema Homem-Natureza que, junto com os recursos minerais da Terra, é a parte para cuja criação não fez falta a intervenção humana. Suas propriedades fundamentais foram definidas muito antes do nascimento do homem e é intrinsecamente incapaz de crescimento ou expansão continuados. Por isso o homem nasce com uma responsabilidade frente a ecosfera, que vem evitando do tempo mais remoto.

CONHECER NOSSA CASA

Neste século estalou a consciência sobre o conflito que existe entre as atividades humanas e as limitações do meio ambiente. Frente ao contínuo ataque aos sistemas naturais que nos sustentam, das fontes judaicas emerge a mensagem ecológica que o judaísmo tem para oferecer.

Em hebreu bíblico a raiz dos verbos "conhecer" e "amar" é a mesma. Adão "conhece" a Eva quando se unem em amor carnal. A Toráh exige do homem para com a mulher "sheerá, kesutá, vê'onatá", lhe prover comida, vestido, e direito matrimonial. É notáveis que segundo essa ecologia são as três condições que requer todo ser vivo para sua sobrevivência, nessa mesma ordem: alimento, proteção e capacidade reprodutora. O conhecimento da Terra parece ser a primeira mitsváh da ecologia, tal como o conhecimento do cônjuge é primeiro da Bíblia.

A curiosidade bíblica tem no Salmo 104 (Versículos 10 ao 24) e um dos exemplos mais formosos do conhecimento do habitat natural dos animais e o ciclo de vida terrestre: “Ordenaste às fontes que alimentassem regatos, que estes corressem pelos vales entre as montanhas. Dão, assim de beber a todos os animais dos campos e satisfazem a sede de todos os silvestres. Perto deles habitam as do céu e, de entre os ramos das árvores, entoam seu canto, Regas as montanhas do alto de Tua morada e se farta a terra do fruto de tuas obras. Fazes crescer relva para o gado e plantas para uso do homem, para que da terra possa extrair seu pão, e também o vinho que alegra seu coração, bem como óleo que lhe faz reluzir o rosto. Fartam-se de seiva as árvores do Eterno, os cedros do Líbano por Ele plantados, onde os pássaros constroem seus ninhos e os ciprestes se abrigam as cegonhas. Os altos montes são refúgio para os cabritos, e as rochas para os coelhos. Para marcar as estações criaste a lua, e ao sol determinaste o tempo de seu ocaso. Estendes o manto da escuridão e faz-se a noite, quando despertam e vagueiam as feras da floresta. Os filhotes do leão rugem por sua presa, e buscam de D’us seu alimento. Quando nasce o sol, eles recolhem a seus covis. Sai o homem para seu trabalho e sua obra até a tarde. Quão imensa é a multiplicidade de Tuas obras!

O conhecimento do criado leva a admiração pelo Criador. Por isso os grandes professores talmúdicos admiravam o natural. Nas academias babilônicas da Sura e Pumbedita (ex babilônia hoje Irak, século III até VII) , Aba Arija e o Rabino Iehudáh ensinavam que o Criador "o bará davar echad lebatalá", fez tudo com algum propósito. Nesse contexto explicaram a existência da lesma, a mosca, o mosquito, a serpente e a aranha, em uma página talmúdica em que deste modo se mencionam costumes de muitos animais: leão, elefante, águia, baleia, cabra, ovelha, camelo, boi, lagosta, galinha, peixes, serpente e porco.

Outros rabinos que estudaram os processos do mundo animal, sugerem-nos como preservar às gazelas em seu habitat natural, ou ao homem em um estado de saúde (o tratado Taanit menciona uma peste que afetava a porcos, que por ter intestinos parecidos com os humanos podiam produzir contágios letais).

Entre os professores se destaca Shimon Ben Chalafta (Século. II) a quem estavam acostumados a chamar "experimentador de todas as coisas". Ao ler o provérbio bíblico de que o preguiçoso deveria aprender da formiga porque sabiamente prepara no verão seu alimento e recolhe sua comida durante a ceifa, Rabi Shimon Ben Chalafta decidiu certificar-se se atrás da mensagem moral, efetivamente essa previsão fórmica tem lugar, ou sim se tratava de uma mera metáfora do Rei Salomão (Shelomo).

A intimidade com o mundo natural é uma herança espiritual de nossos patriarcas e profetas, que eram pastores. Estavam acostumados a conduzir seus rebanhos longe das zonas cultivadas e suas migrações anuais entre o deserto da Judea e o vale do Jordão lhes permitiam monitorar a erosão dos arbustos daquelas regiões, que graças às chuvas proporcionavam alimento aos rebanhos. Os profetas expressavam a mensagem divina em imagens do deserto e do vale. Por exemplo assim exorta Jeremías aos Israelitas: "Até a cegonha no céu conhece seus tempos, e a tórtola, a grou e a andorinha guardam o tempo de sua vinda, mas Meu povo não conhece o julgamento do Eterno" (8:4-7).

Noga Hareuveni explica a imagem: o pastor, que contempla o vôo das aves em suas migrações anuais a climas benignos, vê que em maio a tórtola, os grous e as andorinhas voam da África a Europa cruzando Judea. Mas retornam à a África por uma rota distinta que não atravessa os céus do Israel, de modo que são vistas só uma vez por ano. O profeta-pastor o indica: "guardam o tempo de sua vinda", enquanto que da cegonha (que voa da África a Europa em abril e retorna em outubro por sobre o vale do Jordão) esclarece-se que "conhece seus tempos" em plural.

A HARMÔNIA DA ECOSFERA

A intimidade com a amada natureza descobre a harmonia que sustenta o universo criado. Na Gênese, cada parte da Criação se rubrica quando "vê Deus que é bom". A partir de ali, o ideal da ordem natural povoa nossas fontes. Quando Deus espeta ao Jô – Iov - (39:1) Contemplou você as cervas quando dão a luz?, o Talmud esclarece: "Ao agachar-se para parir as cabras monteses, sobem a uma montanha. Deste modo, a cria pode cair e morrer. Mas Deus tem lista uma águia para que a recolha em suas asas e a ponha diante da mãe. Se a águia chegasse um segundo antes ou depois, a cabrita morreria".

A percepção de uma natureza harmoniosa chega a sua cúspide na visão messiânica do Isaías: "habitará o lobo com o cordeiro, e o tigre se deitará com o cabrito; o bezerro, o filhote do leão e o porco andarão juntos, e um menino os conduzirá. Encher-se-á a Terra de conhecimento do Senhor".

Nesse ideal teleológico, o homem reconhece a inter-relação entre os distintos tipos de vida, e portanto, será consciente de que toda mudança que exerça artificialmente em um sistema natural, pode prejudicar esse sistema. Ante a exclamação do salmista de !!Quão grandes som Suas obras, Eterno!, o rabino Akiva comenta: "criaste seres grandiosos no mar e também os criaste nas terra. Se os aquáticos fossem postos sobre a terra, ou os terrestres no mar, morreriam". A premissa é não modificar o hábitat natural para evitar a extinção de espécies.

Em contraste, a tecnologia há procedido com uma soberba que transcende ideologias, e se desenvolveu sem ter em conta a capacidade limitada do capital biológico representado pelo ecossistema. O homem considerou os recursos naturais e a vida animal como uma herança da que pode dispor a seu desejo. Mas a repreensão bíblica é dupla: por um lado "encham a Terra e dominem" e, simultaneamente, "cuidar o jardim".

Para proteger nossa Terra devem proteger-se seus recursos. Quando faz quatro milênios o patriarca Abraham se separa de seu sobrinho Lot, justifica-o com "que a terra não é suficiente" para que a habitassem juntos. Em efeito, apascentar excessivo gado, especialmente ovino, pode esterilizar uma área fértil de pastoreio. Por isso Abraham e seus rebanhos tomam a direção oposta do Lot, para as serras do Hebrón, aonde o patriarca escolhe morar no Elonê Mamré (as Planícies de Mamré) e não sobre chãos cultivados.

Fiel à tradição judaica de amparo da natureza, o Estado do Israel criou em 1964 a Direção Nacional de Reservas Naturais. Quase trezentas reservas já foram demarcadas, cobrindo uma extensão de cento e sessenta mil hectares. As espécies protegidas nelas incluem vegetais como o carvalho e a palmeira, e animais como o leopardo, a gazela, íbex (cabra montês) e o abutre. Quanto aos animais, as fontes bíblicas são muito específicas em seu amparo. A comida inicial que Adão tinha ao seu dispor era de frutos e vegetais comestíveis. O Talmud, em uma clara apologia do vegetarianismo, interpreta que existia uma proibição de comer carne, que finalmente se permitiu na época do Noé, e só como transação.

O coração da mensagem ecologista é o amparo do bem comum, começando pelo planeta que compartilhamos, a casa que devemos manter poda: "cuidar o jardim". A terra é a matriz do homem: "dela provimos e a ela encaminhamos" (a voz "homem" em hebreu, "Adam" é da raiz "terra", "adamá"). Arón David Gordon levou essa idéia ao judaísmo contemporâneo, quando sustentou que o essencial do sionismo moderno consiste em fazer retornar ao povo judeu ao contato com a terra, à sociedade criadora que surge de lavrar o chão que nos deu.

A Bíblia provê leis ideais para o descanso da terra, como a "shemitá" ou ano sabático. Maimónides dedica muitas páginas de seu "Guia" à questão (3:31) e explica que a finalidade do ano de aro não se reduz a "a comiseração e liberalidade para os homens" mas também a "que a terra se torne mais fértil, fortalecendo-se pelo descanso".

Outro conceito vital de nossas fontes é o do Bal Tashjit, o veto talmúdico contra a dilapidação, que deriva da proibição bíblica de destruir árvores: "Quando sitiar uma cidade ao combater contra ela para conquistá-la, não destrua suas árvores com sua tocha, porque deles te alimenta. Não terá que acharão, porque a árvore do campo é como um homem. Só da árvore de que saiba que não é alimentício poderá cortar a fim de construir a fortaleza contra a cidade que te declara a guerra".

Esta lei é explicada no "Livro da Educação" – Sêfer Hachinuch (do Século de Ouro Sefaradí) do Arón Levi de Barcelona: "esta norma inculca em nosso coração o amor pelo bom e o benéfico, assim tal amor se transforma em parte de nosso ser, e nos afastamos do mau e do destrutivo. O piedoso ama a paz e se regozija no bem-estar do próximo para que não seja destruída nem sequer uma semente de mostarda".

Outra instituição ecológica do Israel é o Keren Kayemet, que planta cada ano mais de dois mil hectares de novos bosques e construiu mais de uma centena de parques de recreação e mais de vinte florestais.

Conhecer o planeta é uma das melhores formas de exercer nossa capacidade de amor. Assim o entendeu um dos grandes professores do Chasídismo, quem estava acostumado a pronunciar a seguinte prece: "Senhor do Universo, me outorgue a possibilidade de estar sozinho para me fazer do hábito de sair cada dia à natureza, entre árvores e pastos, entre o que cresce e floresce, para expressar ali tudo o que dita meu coração, para que a folhagem, as árvores, o novelo, despertem com minha chegada e enviem o poder de sua vida a minha prece, para que minha oração seja um tudo, por meio de todas as coisas que crescem, que são como uma por sua fonte transcendente".

Um método judaico a nosso alcance a fim de intimar com a natureza, é o calendário hebreu. As três Festas de Peregrinação (Pêssach -Páscoa, Shavuot -Pentecostes, e Sucot -Tabernáculos) são respectivamente da semeia, a colheita e a recolher. Adiciona-se a singular Seu Bishvat, que marca o começo da separação dos dízimos da fruta (já que a maior parte das chuvas caem no Israel antes dessa data) e por isso é Ano Novo dos Mastreie, seu aniversário.

Um relato talmúdico do Rabino Eleazar compara a criação do mundo com a de um rei que criou um palácio em um depósito de lixo. Nossa missão é em efeito converter nossa casa em um lugar agradável e prazenteiro. Esse seria o melhor louvor ao Criador, posto que já o diz o salmo: "Iehalelú Hashamaim vehamaim...", Elogiarão-o os céus e as águas. Limpos os uns, cristalinas as outras.

* Autor de Custódia sobre quatro mil anos – Ecologia e Judaísmo, Premio Keren Kayemet 1990.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Violino nas Costas, encruzilhadas históricas do Povo Judeu.

O violino, um invento sefaradí

violinista Chagall

O Dr. Gustavo Perednik, autor do livro “Violino nas Costas” (Em espanhol : Violín a Cuestas. Editora: Universidade ORT do Uruguai)explica o vínculo dos judeus com o instrumento musical por excelência.

Em recente artigo publicado no jornal El País, de Madrid (“El malestar español”, de 22/7/2009), Basilio Balltasar pergunta-se: “ Por que somos a sociedade menos competitiva da Europa?”. E chega à seguinte conclusão: a Espanha tem sido o único país sem judeus. O infeliz acontecimento da expulsão nos privou, no crucial instante do renascimento europeu, de uma força que se revelaria decisiva no processo de reinvenção próprio da modernidade. Uma comunidade inclinada, por necessidade e vocação, a impugnar os ditados da tirania.

A opinião de Baltasar parece ser revalidada por uma tese acadêmica que vem se difundindo há duas décadas, segundo a qual uma das grandes conquistas que a Espanha teria perdido devido à infeliz ocorrência foi o violino.

A provável invenção deste instrumento por parte de judeus sefaraditas começou a investigar-se lá em 1983, quando Roger Prior, da Universidade de Belfast, recolheu um dado sugestivo: um instrumento antecessor do violino, a viola da gamba (pernaem italiano), foi inventado na Espanha, antes da expulsão e, apenas consumada esta, o instrumento apareceu na Itália para converter-se rapidamente no violino.

Em outras palavras, o violino se originou na Itália, quando aqui se assentaram os expulsos da Espanha e, apesar de suas raízes espanholas, toda a referência ao instrumento durante o século 16 foi somente italiana. Com a viola da gamba teria acontecido o mesmo que ocorreu com os expulsados.

Ao rastrear esse itinerário entre Espanha e Itália, Prior chegou à conclusão de que os principais violagambistas haviam sido judeus expulsos que, uma vez assentados na Itália, criaram o violino.

Durante suas pesquisas, Prior se dedicou aos detalhes históricos eloquentes: um referente à família Amati de Cremona, e o outro vinculado a dois infelizes músicos criptojudeus em Londres, chamados Moyses e Almaliah respectivamente.

Os Amati foram célebres luthiers: o pai Andrea (1520-1578) estabeleceu a forma do violino moderno; sua obra foi perpetuada por seus dois filhos e levada à perfeição por seu neto Nicolo, que fora professor* de Andrea Gurarnieri e Antonio Stradivari (1644-1737). Segundo Prior, o nome original dos Amati era Haviv (“amado” em hebraico e eventualmente italianizado).

Quanto aos misteriosos Moyses e Alamaliah, a história começa com a coroação, em 1509, de Enrique VIII, que decidiu enaltecer a corte inglesa importando para Londres músicos italianos. Em 1540, um grupo de violagambistas se apresentou em seu palácio.

Um ano depois, a fim de congraçar-se com Carlos V, Enrique VIII mandou prender alguns homens denunciados como observantes clandestinos do judaísmo, prática proibida também na Inglaterra. Os criptojudeus detidos eram de famílias expulsas da Espanha e procediam de Milão, precisamente de onde haviam imigrado os violamgambistas.

A intuição de Prior de associar os criptojudeus aos violagambistas importados veio a se confirmar em uma das numerosas cartas que escrevera Eustace Chapuys, em Londres, como embaixador de Carlos V para defender a tia do imperador, Catarina de Aragão, ante seu marido Enrique VIII1.

Em 1542, Chapuys, que havia elogiado as prisões, referiu-se assim aos judeus aprisionados: “Mesmo que cantem muito bem, não poderão escapar voando de suas jaulas sem deixar algumas de suas plumas”.

Esses “pássaros”, os violagambistas da corte de Enrique VIII, foram finalmente liberados, menos os que morreram na prisão: John Anthony e Romano de Milão, cujos nomes originais figuram como Anthoni Moyses e Ambrosius Deolmaleyex (provavelmente um derivado de “Almaliah”).

Os músicos haviam mudado os nomes hebraicos, mas quando foram acusados de judaizantes já não havia muito para ocultar e decidiram na prisão recuperar sua identidade.

Roger Prior descobriu por acaso a interessante informação quando investigava a identidade da “dama escura” que aparece nos últimos 25 sonetos de Shakespeare (1609) – os mais eróticos de sua coleção de 154.

Há quem sustente que a “dama escura” era um personagem de ficção, ainda que a maioria dos historiadores tenda a identificá-la com pessoas reais como Mary Fitton, Elizabeth Wriothesley ou Emília Bassano. Esta última foi esposa do músico Alfonso Lanier e autora de uma coletânea de poemas intitulada Salve Dios al Rey de los Judíos (1611). Se ela fosse de fato a “dama escura” de Shakespeare (como defende os historiador Alfred Rowse), o fato poderia explicar sua origem espanhola.

Quando Prior explorou a biografia de Bassano, notou que Shakespeare quando a mencionava referia-se a uma hebreia. Adicionalmente, descobriu que vários membros da família Bassano pertenciam à orquestra de câmara da corte de Enrique VIII. Prior foi autor do livro “Los Bassanos: Músicos Vecianos y Hacedores de Instrumentos em Inglaterra - 1531-1665”, no qual incluiu um capítulo sobre Emília Bassano, identificada como a “dama escura”.

Sua tese sobre a gênese do violino voltou à tona há alguns meses (20/8/2009), no jornal Israelí Jerusalem Post, em artigo no qual é relatada a revelação de Prior que foi amplamente apresentada em um simpósio sobre violino que ocorreu em maio passado, no centenário da Escola Juilliard de Nova Iorque – o centro mais prestigioso em artes essênicas. Durante o congresso, a violinista barroca inglesa Monica Huggett – que dirige o programa artístico da Juilliard – salientou em sua exposição: “O violino não parece ser de origem italiana senão judia”.

*Na época, utilizava-se o termo “maestro” .

Um idílio de meio milênio

O vínculo dos judeus com o violino se estendeu ao longo dos séculos. Em 1660, nasceu em Mantua a primeira grande escola de violinistas sob a direção de Salamone Rossi, cujas obras têm perdurado. Começou com umas 20 canções (1589), e em 1623 publicou uma coleção de liturgia judaica no estilo barroco, cujo título parafraseia um livro bíblico (Os Cânticos de Salomão).

A irmã de Rossi era cantora de ópera; ele, durante quatro décadas, serviu na corte de Mantua contratado pelo duque Vincenzo com o fim de entreter os hóspedes. Aí ele foi violinista da duquesa Isabella D’Este Gonzaga .

domingo, 3 de abril de 2011

Conhecendo A Judeofobia - 2ª Parte

 A Judeofobia 

JUSTIFICATIVA DO TERMO

 2ª Parte


            O sacerdote Edward Flannery revela que seu interesse pelo tema do ódio antijudaico nasceu quando descobriu um abismo que separa judeus e cristãos. "Como é possível – pergunta-se Edward Flannery  que o judeu, acabrunhado pela consciência da secular opressão que tem sofrido no mundo cristão, fale em igualdade de condições com o cristão, que está sinceramente convencido de que seu interlocutor outorga demasiada importância às perseguições?"[1]
         Tentamos aqui estender uma ponte sobre este abismo, permitindo a mais pessoas conhecer páginas muito obscuras da experiência humana e curiosamente pouco investigadas. Até 1879, esta forma tão peculiar de ódio nem sequer tinha nome. Neste mesmo ano, Wilhelm Marr cunhou o termo antissemitismo, com o qual se propôs neutralizar a conotação religiosa que poderia existir em antijudeu. O panfleto de Marr[2] advertia sobre o perigo da influência dos judeus na Alemanha e era um modo de exortar a desembaraçar-se deles com total independência das inclinações religiosas que os judeus pudessem exibir. Para os efeitos desta introdução, o importante é que a palavra que Marr elegeu tem vários defeitos.
         Em princípio, não há "semitas". Poder-se-ia aplicar a palavra em Paleologia ou em Antropologia. Pode-se falar de línguas semíticas, aquelas que se falavam no Oriente Médio antigo e das mesmas que hoje formam o hebreu, o árabe e o aramaico. Quem chamou essas línguas de semitas foi Arthur Schlözer, em 1781, baseando-se na classificação de idiomas que faz o décimo capítulo do livro de Gênesis. Portanto, houve grupos semitas na remota antiguidade. Mas supor que um judeu da Holanda, um do Iêmen e um da Etiópia pertençam à mesma "raça semita" junto com um árabe de Marrocos ou da Síria é, a todas as luzes, um absurdo. Em segundo lugar e mais importante ainda: pessoas contrárias aos semitas não apenas não existem, senão que jamais existiram. Nunca se criaram partidos, publicações ou ideias que combatessem aos "semitas". E mais, a palavra se presta a confusões, nas quais incorrem frequentemente representantes árabes. Em março de 1997, o chanceler egípcio Amer Musa respondeu a uma acusação perguntando: "Como vamos ser antissemitas se nós somos semitas?". O lamentável é que o termo cunhado pelo judeófobo Marr difundiu-se por toda a parte, ainda quando, três anos depois, um dos precursores do pensamento nacional judaico moderno, León Pinsker[3], sugeriu a palavra mais apropriada, judeufobia, para caracterizar o ódio em relação aos judeus. Judeufobia é mais precisa porque um novo prefixo assinala o verdadeiro destinatário desta aversão, o judeu, e no sufixo alude a seu caráter irracional. É certo que em psicologia fobia também responde a sua origem grega medo. Fala-se de ailurofobia (medo de gatos), nictofobia (medo da noite) ou claustrofobia (medo de lugares fechados). Porém, em ciências sociais, tem uma conotação mais próxima a ódio e não a temor, como em xenofobia: ódio a estrangeiros.
         A judeufobia não é uma forma de xenofobia, uma vez que os judeus não são estrangeiros nos países onde vivem. Como já dissemos, tampouco são uma raça. Adverte a respeito Jorge Luis García Venturini: "O termo racismo... resulta insuficiente e até equívoco para qualificar a judeufobia, pois o complexo mental e afetivo que a tipifica excede em muito o âmbito racial... reduzi-la a uma questão racial implica minimizá-la e até desnaturalizá-la"[4]. A judeufobia não é uma espécie de racismo. É um fenômeno singular e como tal vamos encará-lo.
         Oferecemos cinco justificativas ao termo judeufobia usado em lugar de antissemitismo. Estas incluem motivos históricos, semânticos e lógicos. Para o leitor que ainda não esteja convencido de qual seja a palavra mais desejável, acrescentarei um argumento a mais: o ideológico.
         O prefixo anti combinado com o sufixo ismo sugere uma opinião que vem a se opor a uma outra opinião, como em antimercantilismo, antidarwinismo ou antiliberalismo. Porém, a judeufobia não é uma ideia. Jean-Paul Sartre, em seu famoso livro sobre o tema, sugere que não permitamos ao judeófobo disfarçar seu ódio em "opinião". Na medida em que usemos antissemitismo, os judeófobos poderão adornar seus rancores com uma aura de critério racional, o que descaracteriza a irracionalidade da judeufobia.
         Muitos dos ensaios sobre o tema mencionam o fato de que o termo antissemitismo é inapropriado, mas não oferecem a alternativa que está ao seu alcance. Hyam Maccoby lamenta-se de que "seu uso tenha sido aceito tão universalmente"[5] e os poucos historiadores que optam pelo termo judeufobia não o fazem com a perseverança necessária. Entre tantos, cabe mencionar Robert Wistrich, Walter Laqueur, Edward Flannery, Zvi Yavetz, Jacob R. Marcus e Henry Weinberg[6].
         Em 1997, a Universidade de Harvard publicou o livro de Peter Schäfer sobre a atitude em relação aos judeus na antiguidade e, para a minha grata surpresa, seu título foi Judeufobia. O autor admite que no começo supôs que ele estava criando o termo. Ainda que tenha rastreado o termo até 1903 (um artigo de J. Halévy), lamentavelmente saltou o texto Auto-Emancipação de León Pinsker, que já em 1882 falava de judeufobia. A Pinsker devemos não somente a correta definição do ódio antijudeu como também uma via muito original para explicá-lo, a qual será resumida mais adiante (cap. 34).
         Yoram Hazony, em uma interessante exegese política do livro de Ester, consola-se do uso do termo antissemitismo, argumentando que embora "os judeus nunca tenham sido odiados por serem um povo semita... o fracasso de encontrar um termo mais significativo para a enfermidade vem a refletir o quão pouco a conhecemos".[7]
         Outro autor que se resigna a não encontrar solução para o problema semântico foi Samuel Sandmel, que finaliza sua introdução argumentando que em seu livro "usamos antissemitismo conscientemente, sabedores de quão errado é o termo".[i] Em nosso livro, não nos submetemos tão facilmente ao erro.
         Nossa impressão é de que a palavra antissemitismo tem prevalecido sobre a mais apropriada, judeufobia, porque ajuda a diluir a especificidade do fenômeno, como uma espécie de reação coletiva inconsciente tendente a não confrontar de modo direto e sem eufemismos uma enfermidade que envenenou por milênios o coração de milhões de seres humanos.
         Mas, quantos milhões? A pergunta foi claramente formulada por Fritz Stern em sua biografia de Bleichröder: "Tem sentido meter no mesmo saco Paul de Lagarde, que nos anos 1870 exortava ao extermínio dos judeus, e Jacob Burckhardt, que advertia que a visibilidade dos judeus os levaria ao desastre? Pode-se utilizar o mesmo termo para definir o fanático submerso em um mundo de fantasia calculada para matar e o homem que alberga uma suspeita latente em relação a seus amigos judeus e de quando em vez faz observações hostis a eles?". A resposta é que quem carrega estereótipos judeufóbicos não é necessariamente judeófobo.[8] É judeófobo quem ocasionalmente se permite uma inocente piada antijudaica? A judeufobia apresenta-se em vários níveis e o mais tênue deles, o mero preconceito nebuloso e abstrato, não é suficiente para encaixar-se na definição de "ódio".
         Ainda que o ódio contra grupos sempre existiu, o despeito contra os judeus é único. Os judeus foram odiados em sociedades pagãs, religiosas e seculares. Em bloco, foram acusados pelos nacionalistas de serem os geradores do comunismo e pelos comunistas de reger o capitalismo. Se vivem em países não judeus, são acusados de dupla lealdade; se vivem em país judeu, de serem racistas. Quando gastam dinheiro, são acusados de ostentadores; quando não o gastam, de avaros. São tachados de cosmopolitas sem raízes ou de chauvinistas empedernidos. Se se assimilam ao meio, são quinta-colunas; se não, são fechados em si mesmos.



[1] Edward H. Flannery, prefácio a sua obra Veintitrés Siglos de Antisemitismo, Editorial Paidós, Buenos Aires, pág. 13.
[2] A Vitória do Judaísmo sobre o Germanismo Considerada desde um Ponto de Vista Não Religioso. Ver Jacob Katz, Do Preconceito à Destruição, em inglês, Harvard University Press, Cambridge, 1982, pág. 260.

[3] León Pinsker, Autoemancipação, em alemão, Issleib, Berlim, 1882
[4] Jorge Luis García Venturini, Antisemitismo y Cristianismo, citado pelo autor em Reflexiones sobre la Cuestión Antisemita en la Argentina, Comentario, publicação do Instituto Judío Argentino de Cultura e Información, Buenos Aires, 1964, pág. 13.
[5] Hyan Maccoby, Antisemitismo e Antijudaísmo, em Pensamento Religioso Judaico Contemporâneo, em inglês, editado por Arthur A. Cohen e Paul Mendes Flohr, edições Charles Scribner's Sons, Nova Iorque, 1987, pág. 14
[6] Walter Laqueur o utiliza, entre outros, na página 23 de sua História do Sionismo (em inglês). Edward Flannery, ao final do primeiro capítulo de
A Angústia dos Judeus (em inglês), Paulist Press, Nova Iorque, 1985. Jacob R. Marcus, em Defesas contra o Antissemitismo (em inglês), pág. 52 de Ensaios sobre Antissemitismo, Jewish Social Studies Publication, Nova Iorque, 1946.
É notável que no Roget's Thesaurus, Penguin, 1975, pág.339, sob o título medofobia, entre as muitas fobias que são mencionadas, a única de nome inapropriado é antissemitismo (todas as demais levam o sufixo fobia).
[7] Yoram Hazoni, A Aurora, em inglês, Genesis Jerusalem Press, 1995, pág. 104.
[8] Samuel Sandmel, Antissemitismo no Novo Testamento?, em inglês, Fortress Press, Philadelphia, 1978.

  

 

Conhecendo A Judeofobia - 1ª Parte

A Judeofobia:
A visão de Moacyr Scliar
De Bendita Memória
1ª Parte

Não é uma história agradável, a que o Dr. Perednik conta. Mas é uma história que precisamos conhecer. Extinguir os preconceitos – de qualquer tipo – e curar as fobias são condições fundamentais para que o ser humano possa cumprir o preceito expresso Moacyr Scliar de Bendita Memória,
em os anais da historia da humanidade, registrado no livro dos livros, A Bíblia: Amarás a teu próximo.

Foi Médico e escritor
E membro da Academia Brasileira de Letras